Introdução: A Mágica Invisível do Dinheiro sem Fronteiras
Imagine a seguinte cena: você está no seu computador, em Lins, e decide comprar um livro raro de um pequeno sebo em Lisboa. Você insere os dados do seu cartão de crédito e, em segundos, a transação é aprovada. Do outro lado do Atlântico, o dono do sebo recebe a confirmação e prepara o seu pacote. Ou imagine uma grande empresa brasileira que precisa de pagar a um fornecedor na Alemanha pela importação de uma peça de maquinaria essencial. Uma ordem é dada, e dias depois, milhões de euros aparecem na conta da empresa alemã.
Para nós, estes processos parecem mágicos, quase instantâneos. Mas por trás desta aparente simplicidade, existe uma infraestrutura complexa, invisível e absolutamente fundamental que funciona como o sistema nervoso central do dinheiro global. O coração pulsante deste sistema tem um nome: SWIFT.
A maioria das pessoas nunca ouviu falar do SWIFT, ou, se ouviu, foi recentemente, no contexto de notícias sobre sanções económicas e conflitos internacionais. E quase todos os que ouviram falar dele têm uma ideia errada do que ele realmente faz. Pensa-se que o SWIFT é um super-banco que move triliões de dólares pelo mundo, ou uma espécie de Pix global. A verdade é muito mais subtil e, ao mesmo tempo, muito mais poderosa.
O SWIFT não é um banco. Ele não guarda um único cêntimo. Ele não transfere fundos. Pense no SWIFT da seguinte forma: se os bancos do mundo fossem pessoas, o SWIFT seria o WhatsApp delas. Um WhatsApp ultra-seguro, padronizado e incrivelmente fiável, através do qual eles trocam mensagens para se instruírem a mover o dinheiro uns dos outros.
Neste guia completo, vamos mergulhar fundo na história, no funcionamento e na importância geopolítica desta cooperativa belga que se tornou a espinha dorsal da finança internacional. Vamos desmistificar os seus códigos, seguir a jornada de uma transferência internacional passo a passo e entender por que é que ser desconectado desta rede é uma das sanções económicas mais temidas do século XXI. Ao final, você não apenas saberá o que é o SWIFT; você entenderá uma das peças mais críticas da arquitetura do nosso mundo moderno.
Parte 1: O Que NÃO é o SWIFT? Desfazendo os Mitos Comuns
Antes de construirmos o nosso conhecimento, precisamos de limpar o terreno, desfazendo os equívocos mais comuns sobre o SWIFT. Entender o que ele não é é o primeiro passo para compreender o que o torna tão especial.
Mito 1: “O SWIFT é um banco global que guarda o dinheiro do mundo.”
Esta é a confusão mais fundamental. O SWIFT (Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication, ou Sociedade para Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais) é, na sua essência, uma rede de mensagens. Ele não possui contas bancárias para os seus membros, não detém quaisquer tipos de ativos ou valores mobiliários, nem funciona como uma câmara de compensação.
A sua função é exclusivamente a de fornecer uma plataforma segura e padronizada para que as instituições financeiras possam trocar informações entre si. Quando o Banco do Brasil precisa de enviar dinheiro para o Deutsche Bank na Alemanha, o SWIFT não pega no dinheiro e o leva. Ele apenas transporta a mensagem, a ordem de pagamento, do Brasil para a Alemanha, de forma segura e num formato que ambos os bancos entendem. O movimento real do dinheiro acontece entre os bancos, nas suas contas correspondentes, um processo que veremos em detalhe mais à frente.
Mito 2: “O SWIFT é um sistema que transfere o dinheiro.”
Este é um refinamento do primeiro mito. Mesmo que não guarde o dinheiro, muitos acreditam que o SWIFT é o “transportador” dos fundos. Também não é verdade. O SWIFT transporta a informação sobre a transferência, não a transferência em si.
A melhor analogia é a de uma compra online. Quando você compra um produto na Amazon, você recebe um e-mail de confirmação. Esse e-mail contém todas as informações: o que você comprou, quanto pagou, para onde deve ser entregue. Mas o e-mail não é o produto. O produto é enviado separadamente, por uma transportadora.
Nesta analogia, o SWIFT é o serviço de e-mail. Ele entrega a “confirmação do pedido” (a mensagem de pagamento) de forma segura. A “transportadora” que move o dinheiro de facto é a rede de bancos correspondentes, que mantêm contas uns com os outros. O SWIFT apenas lhes diz o que fazer.

Mito 3: “O SWIFT é como um Pix ou um cartão de crédito internacional.”
Nós, como consumidores, estamos habituados a sistemas de pagamento que fazem tudo: autorizam, processam e liquidam a transação num único passo. Quando você usa o Pix, o dinheiro sai da sua conta e entra na outra em segundos. Quando usa o cartão de crédito, a rede (Visa, Mastercard) garante o pagamento ao lojista.
O SWIFT não é um sistema de pagamento de ponta a ponta. Ele é uma camada de comunicação dentro de um processo muito maior. Ele não lida com a liquidação da transação (o momento em que o dinheiro realmente muda de mãos). A sua função termina quando a mensagem é entregue com segurança ao destinatário. A liquidação é feita pelos bancos, através das suas próprias infraestruturas e relações. É por isso que uma transferência internacional via SWIFT pode levar dias, enquanto um Pix é instantâneo. São sistemas com propósitos fundamentalmente diferentes.
Com o terreno limpo, agora podemos começar a construir. Vamos voltar no tempo, para um mundo sem SWIFT, para entender por que é que a sua criação foi uma das revoluções mais silenciosas e importantes da história financeira.
Parte 2: A História do SWIFT – Da Torre de Babel Financeira à Padronização Global
Para entender a genialidade do SWIFT, precisamos de nos transportar para o mundo financeiro do início da década de 1970. Um mundo que, apesar de já ser globalizado, operava com uma tecnologia de comunicação que hoje nos pareceria arcaica e perigosamente ineficiente.
O Mundo Antes do SWIFT: A Era do Telex
Antes de 1973, a principal forma de um banco em São Paulo se comunicar com um banco em Tóquio era através do Telex. O Telex era, essencialmente, uma rede de teletipos, máquinas semelhantes a máquinas de escrever que podiam transmitir mensagens de texto através de canais de telégrafo.
Imagine a cena: um funcionário do banco brasileiro precisava de digitar manualmente uma longa e complexa instrução de pagamento. A mensagem era transmitida, linha por linha, para o Japão. Lá, outro funcionário recebia a mensagem impressa e precisava de a reinterpretar e reintroduzir no sistema do seu próprio banco. Este processo era uma verdadeira Torre de Babel financeira, atormentado por uma série de problemas graves:
- Falta de Padronização: Cada banco tinha o seu próprio jeito de escrever uma instrução. Não havia um formato comum. O que “ordem de pagamento” significava para um banco podia ser ligeiramente diferente para outro, levando a erros de interpretação catastróficos.
- Lentidão e Ineficiência: O processo era manual, lento e exigia muito trabalho de ambos os lados da transação. Cada mensagem precisava de ser verificada e re-digitada, um processo propenso a erros humanos.
- Insegurança: As mensagens de Telex não eram encriptadas. Eram vulneráveis a interceções e a fraudes. A única forma de autenticação era um código de teste trocado entre os bancos, um sistema frágil para um mundo que já movia grandes volumes de dinheiro.
- Falta de Rastreabilidade: Uma vez que a mensagem era enviada, era muito difícil saber se tinha sido recebida, se estava a ser processada ou se havia algum problema. Era como enviar uma carta e ficar a rezar para que chegasse ao destino.
Com o crescimento do comércio e das finanças globais no pós-guerra, este sistema arcaico tornou-se um gargalo insustentável. O risco de erros, fraudes e atrasos era simplesmente grande demais. O mundo financeiro precisava de uma linguagem comum.

A Fundação em 1973: Uma Solução Cooperativa
A solução não veio de um governo ou de uma única empresa de tecnologia. Veio dos próprios bancos. Cansados da ineficiência do Telex, um consórcio de 239 bancos de 15 países reuniu-se em Bruxelas, na Bélgica, e decidiu criar uma solução própria. Nascia assim a Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication.
A escolha de Bruxelas como sede não foi acidental. A Bélgica era vista como um país politicamente neutro, o que era crucial para garantir que a nova organização não fosse controlada pelos interesses de uma única superpotência, como os Estados Unidos ou o Reino Unido. A estrutura escolhida também foi fundamental: o SWIFT foi criado como uma sociedade cooperativa, detida e controlada pelos seus próprios bancos membros. Isto garantia que o seu foco seria o de servir os interesses da comunidade financeira global, e não o de gerar lucro para acionistas.
O objetivo era claro e revolucionário: criar uma plataforma única, com uma linguagem padronizada, para a troca de mensagens financeiras, que fosse mais rápida, mais barata e, acima de tudo, imensamente mais segura do que o Telex.
A Era da Padronização e do Crescimento
Os primeiros anos foram dedicados a construir a infraestrutura e, o mais importante, a desenvolver a “linguagem” comum. Em 1977, o sistema entrou finalmente em operação, conectando 518 instituições em 22 países.
O sucesso foi imediato e explosivo. A padronização das mensagens e a introdução de um sistema de endereçamento universal – o BIC (Bank Identifier Code), que hoje conhecemos como código SWIFT – resolveram os principais problemas do Telex. O BIC, um código de 8 ou 11 caracteres, deu a cada instituição financeira no mundo um “endereço” único e inequívoco, eliminando a ambiguidade.
Ao longo das décadas de 80 e 90, a rede expandiu-se exponencialmente. O que começou como um serviço para simples ordens de pagamento evoluiu para abranger todas as áreas da finança: comércio exterior, mercado de capitais, gestão de tesouraria. O SWIFT não era mais apenas uma alternativa ao Telex; era o padrão-ouro, a espinha dorsal indispensável de todo o sistema financeiro global.
Hoje, o SWIFT conecta mais de 11.000 instituições financeiras em mais de 200 países e territórios, processando, em média, mais de 40 milhões de mensagens por dia. A história do SWIFT é a história de como a colaboração e a padronização transformaram uma Torre de Babel caótica na rede de comunicação mais crítica e segura do mundo.
Parte 3: Como o SWIFT Funciona na Prática? A Anatomia de uma Mensagem

Agora que conhecemos a história, vamos abrir o capô e ver como a máquina funciona. Entender a anatomia de uma mensagem SWIFT é entender a linguagem secreta que faz o dinheiro global se mover.
A Linguagem: Os Tipos de Mensagem (MT e MX)
O coração da padronização do SWIFT é o seu sistema de tipos de mensagem. Cada tipo de transação financeira tem um formato de mensagem específico e numerado, garantindo que todos os bancos falem exatamente a mesma língua.
- O Padrão Clássico (MT – Message Type): Por décadas, a linguagem do SWIFT foi a dos formatos MT. São códigos de 3 dígitos, onde o primeiro dígito indica a categoria. Por exemplo:
- MT1xx: Pagamentos de Clientes e Cheques (a categoria mais comum)
- MT2xx: Transferências de Instituições Financeiras
- MT7xx: Cartas de Crédito e Garantias (essencial para o comércio exterior)
- MT9xx: Gestão de Caixa e Status de Mensagens
O tipo de mensagem mais famoso e utilizado no mundo é o MT103, que é a “Ordem de Pagamento de Cliente Único”. É a mensagem padrão para uma pessoa ou empresa enviar dinheiro para outra no exterior.
- O Novo Padrão (MX / ISO 20022): O mundo está a migrar para um novo padrão, muito mais moderno e rico em dados, chamado ISO 20022. As mensagens neste novo formato são identificadas pelo código “MX”. Este novo padrão permite incluir muito mais informação na mensagem (como detalhes da fatura, dados do remetente, etc.), o que facilita a automação e o cumprimento de regulações contra a lavagem de dinheiro.
O Endereço: Desvendando o Código BIC/SWIFT
Para que uma mensagem chegue ao destino correto, ela precisa de um endereço preciso. No mundo SWIFT, este endereço é o BIC (Bank Identifier Code), também conhecido como código SWIFT. É um código de 8 ou 11 caracteres que identifica de forma única cada banco na rede.
Vamos dissecar um exemplo real: o código SWIFT do Itaú Unibanco em São Paulo.
ITAUBRSP
- ITAU: Os primeiros 4 caracteres são o código do banco. (ITAU para o Itaú)
- BR: Os 2 caracteres seguintes são o código do país (ISO 3166-1 alpha-2). (BR para o Brasil)
- SP: Os 2 caracteres seguintes são o código da localização (cidade ou estado). (SP para São Paulo)
Este código de 8 caracteres (ITAUBRSP) identifica a sede principal do banco. Se a transferência for para uma agência específica, o código pode ter mais 3 caracteres, identificando a filial. Por exemplo: ITAUBRSPXXX (onde “XXX” representa a sede).
A Jornada de uma Mensagem: Um Exemplo Passo a Passo
Vamos usar a nossa amiga Cícera, que agora vive em São Paulo, para ilustrar a jornada. Ela quer enviar 200 euros para a sua prima, que mora em Lisboa e tem conta na Caixa Geral de Depósitos.
- A Ordem (No Banco do Brasil): Cícera vai ao seu banco, o Banco do Brasil em São Paulo. Ela fornece os dados da sua prima: nome, morada e, o mais importante, o IBAN (Número Internacional de Conta Bancária) e o código SWIFT/BIC da Caixa Geral de Depósitos em Lisboa (ex: CGDIPTPL).
- O Problema da Conexão Direta: O Banco do Brasil não tem uma conta em euros diretamente na Caixa Geral de Depósitos. Eles não têm uma relação comercial direta. Como é que o dinheiro vai chegar lá? É aqui que entra a magia da banca correspondente.
- Encontrando a Ponte (O Banco Correspondente): O Banco do Brasil, através da rede SWIFT, sabe que tanto ele quanto a Caixa Geral de Depósitos têm contas num grande banco internacional que opera em múltiplas moedas, por exemplo, o JPMorgan Chase em Nova Iorque. O JPMorgan funciona como a “ponte” entre eles.
- A Primeira Mensagem SWIFT (MT103): O Banco do Brasil cria uma mensagem SWIFT do tipo MT103 e a envia, através da rede segura do SWIFT, para o JPMorgan em Nova Iorque. A mensagem, de forma simplificada, diz:
- “Para: JPMorgan (BIC: CHASUS33)”
- “De: Banco do Brasil (BIC: BRASBRRJ)”
- “Instrução: Por favor, debite 200 euros da nossa conta que temos convosco e credite a mesma quantia na conta que a Caixa Geral de Depósitos (BIC: CGDIPTPL) tem convosco. O beneficiário final é a prima da Cícera, com o IBAN PT50… .”
- A Liquidação (O Dinheiro Move-se): O SWIFT apenas entregou a mensagem. Agora, a liquidação acontece. O JPMorgan, dentro dos seus próprios sistemas, debita a conta do Banco do Brasil e credita a conta da Caixa Geral de Depósitos. Nenhum dinheiro atravessou o oceano. Apenas houve uma transferência de registos contabilísticos nos livros do JPMorgan em Nova Iorque.
- A Segunda Mensagem SWIFT (MT202): O JPMorgan envia então uma outra mensagem SWIFT, desta vez para a Caixa Geral de Depósitos em Lisboa. Esta mensagem (um MT202, que é uma transferência entre bancos) informa:
- “Para: Caixa Geral de Depósitos (BIC: CGDIPTPL)”
- “De: JPMorgan (BIC: CHASUS33)”
- “Informação: Creditámos a vossa conta connosco em 200 euros. Por favor, creditem a vossa cliente, a prima da Cícera, com este valor, conforme a instrução original do Banco do Brasil.”
- O Destino Final: A Caixa Geral de Depósitos recebe a mensagem e o crédito, e finalmente deposita os 200 euros na conta da prima da Cícera.
Todo este processo, que envolveu múltiplos bancos e mensagens, pode levar de 2 a 5 dias e envolve custos (taxas cobradas por cada banco intermediário). É um sistema complexo, mas incrivelmente robusto e seguro, que funciona biliões de vezes por dia, silenciosamente, por trás das cortinas do nosso mundo financeiro.
Parte 4: SWIFT como Ferramenta Geopolítica – A “Arma” Financeira

A maior prova do poder do SWIFT não reside na sua tecnologia, mas na sua ubiquidade. Estar conectado à rede SWIFT é como ter acesso à internet ou ao sistema telefónico global; é a condição essencial para um país participar na economia mundial. E esta dependência universal transformou o que era para ser uma ferramenta técnica neutra numa das mais potentes e controversas armas da geopolítica moderna.
O poder não está em controlar o SWIFT diretamente (lembre-se, é uma cooperativa sediada na Bélgica e sujeita às leis belgas e da União Europeia), mas em usar a pressão política para forçar o SWIFT a desconectar um país ou um conjunto de bancos da sua rede.
Ser expulso do SWIFT é o equivalente financeiro a ser exilado para uma ilha deserta. Um país desconectado não consegue, de forma eficiente, pagar pelas suas importações (como alimentos e medicamentos) ou receber pelas suas exportações (como petróleo e gás). O seu comércio internacional fica paralisado, a sua economia entra em colapso. Vamos analisar os dois casos mais emblemáticos.
Estudo de Caso 1: O Isolamento do Irão
O Irão foi o primeiro grande teste da “arma SWIFT”. Como parte das sanções internacionais relacionadas com o seu programa nuclear, os bancos iranianos foram desconectados da rede SWIFT em 2012.
- O Impacto: O efeito foi devastador e imediato. O comércio exterior do Irão caiu drasticamente. O país teve imensas dificuldades para receber o pagamento pelas suas vendas de petróleo, a sua principal fonte de receita. A importação de bens essenciais tornou-se um pesadelo logístico. A economia iraniana mergulhou numa profunda recessão, e a inflação disparou.
- As Lições: O caso do Irão demonstrou ao mundo o poder paralisante de uma exclusão do SWIFT. Mostrou também a dependência do sistema financeiro global em relação a esta única rede e despertou, em países como a Rússia e a China, o desejo de criar sistemas alternativos para se protegerem de uma sanção semelhante.
Estudo de Caso 2: A Sanção à Rússia (2022)
O exemplo mais recente e de maior escala ocorreu em fevereiro de 2022, após a invasão da Ucrânia pela Rússia. Numa ação coordenada e sem precedentes, os Estados Unidos, a União Europeia e outros aliados ocidentais pressionaram o SWIFT a desconectar os principais bancos russos da sua rede.
- O Impacto: A medida foi um golpe duríssimo no sistema financeiro russo. Dificultou imensamente a capacidade da Rússia de receber pagamentos pelas suas exportações de energia e de pagar por importações. Embora não tenha paralisado completamente a economia russa, criou enormes atritos e custos, forçando o país a recorrer a métodos de pagamento mais complexos e menos eficientes.
- As Tentativas de Contorno: A Rússia, que já havia sofrido ameaças de exclusão em 2014 após a anexação da Crimeia, tinha começado a se preparar. Ela desenvolveu o seu próprio sistema de mensagens financeiras, o SPFS. No entanto, o SPFS tem uma adesão internacional muito limitada em comparação com o SWIFT, servindo mais como uma rede doméstica.
- A Alternativa Chinesa (CIPS): A China também desenvolveu o seu próprio sistema, o CIPS (Cross-Border Interbank Payment System). Embora o CIPS ainda processe a maioria das suas mensagens através da rede SWIFT, ele é visto como a alternativa mais viável a longo prazo, especialmente para transações em yuan.
A “armação” do SWIFT é um tema de intenso debate. Por um lado, é uma ferramenta poderosa para aplicar sanções sem o uso da força militar. Por outro, o seu uso excessivo pode minar a neutralidade do sistema e acelerar a fragmentação do sistema financeiro global, com a criação de blocos concorrentes, o que poderia ter consequências imprevisíveis para a economia mundial.
Conclusão: O Coração Invisível do Comércio Global
O SWIFT é uma daquelas invenções geniais que, por funcionarem tão bem, se tornaram invisíveis. É uma peça de infraestrutura tão fundamental como os cabos de fibra ótica que cruzam os oceanos ou os satélites que orbitam a Terra. Sem ele, o nosso mundo interconectado, com o seu fluxo constante de bens, de serviços e de capital, simplesmente pararia.
Ao longo deste guia, desvendámos os seus segredos. Aprendemos que ele não é um banco, mas o mensageiro dos bancos. Seguimos a jornada de uma mensagem, desde a ordem de Cícera em São Paulo até ao crédito na conta da sua prima em Lisboa. E vimos como esta ferramenta técnica se tornou um ator central no grande xadrez da geopolítica.
A história do SWIFT é uma lição sobre o poder da colaboração e da padronização. Mas é também um alerta sobre os perigos da dependência e sobre as novas batalhas que se avizinham na era digital. Compreender o SWIFT é, em última análise, compreender uma das forças mais poderosas e silenciosas que moldam o nosso quotidiano.
Sugestão de Leitura
Para quem deseja aprofundar a sua compreensão sobre a evolução dos sistemas financeiros e o papel do dinheiro na história da humanidade, uma leitura essencial é:
- “A Ascensão do Dinheiro: A História Financeira do Mundo“ por Niall Ferguson.
Este livro brilhante não foca especificamente no SWIFT, mas oferece o contexto histórico e conceptual perfeito para entender por que é que sistemas como o SWIFT se tornaram tão necessários e poderosos. Ferguson narra a evolução do dinheiro, do crédito e dos bancos de uma forma acessível e fascinante, mostrando como a finança tem sido a força motriz por trás dos maiores eventos da história.
Referências
- SWIFT Website. Para dados oficiais, história e informações sobre os padrões de mensagem. Disponível em: https://www.swift.com
- “What is SWIFT and how is it being used to punish Russia?”. Reuters, 28 de Fevereiro de 2022. Um exemplo de cobertura jornalística sobre o uso geopolítico do sistema.
Bank for International Settlements (BIS). Publicações sobre sistemas de pagamento e infraestruturas do mercado financeiro. Disponível em: https://www.bis.org
Escrito por Gustavo Figueiredo
Fundador do Conexão Essencial
Apaixonado por leitura, música e pelo equilíbrio entre corpo e mente. Compartilho aqui conhecimentos pragmáticos e confiáveis para fortalecer as conexões essenciais da sua vida.
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