O Dragão em uma Encruzilhada
Em agosto de 2025, a economia chinesa assemelha-se a um gigante a caminhar sobre uma corda bamba, suspensa entre um passado de crescimento milagroso e um futuro repleto de incertezas. Para o observador casual, os arranha-céus de Xangai e a eficiência dos seus comboios de alta velocidade ainda pintam um quadro de dinamismo imparável. No entanto, para quem olha mais de perto, para os dados e para as correntes subterrâneas que movem este colosso, a imagem é muito mais complexa e o ar, mais rarefeito.
O ano de 2025 encontra a China numa encruzilhada histórica, o fim de uma era. O modelo econômico que impulsionou a sua ascensão meteórica nas últimas quatro décadas – uma fórmula potente baseada em investimentos massivos em infraestruturas, num mercado imobiliário que parecia desafiar a gravidade e em exportações de baixo custo que inundaram o mundo – atingiu os seus limites. Este modelo, que tirou centenas de milhões da pobreza e transformou a China na segunda maior economia do mundo, agora mostra sinais de exaustão. Agora, o país enfrenta a tarefa hercúlea de se reinventar, de executar uma das mais difíceis piruetas económicas da história moderna: passar de uma “fábrica do mundo” para uma potência impulsionada pela inovação tecnológica e pelo consumo da sua própria e vasta população.
Este artigo é um mergulho profundo no estado da economia chinesa em meados de 2025. Vamos analisar os seus principais desafios estruturais, desde a crise latente no setor imobiliário, que ameaça a poupança de uma geração, até às tensões geopolíticas com o Ocidente, que redesenham o mapa do comércio global. Vamos comparar o seu desempenho atual com o dos últimos anos, para entender a trajetória e as mudanças de rumo. E, o mais importante, vamos traduzir o “economês” para uma linguagem clara, usando exemplos práticos para entender como a saúde deste dragão asiático afeta diretamente a nossa vida, desde o preço da soja plantada no Brasil até ao futuro da tecnologia que usamos todos os dias.
Parte 1: O Termômetro do Crescimento – O PIB e a Desaceleração Estrutural

O indicador mais observado para medir a saúde de uma economia é o Produto Interno Bruto (PIB). Pense nele como o “salário total” do país. Durante décadas, a China habituou o mundo a taxas de crescimento do PIB estonteantes, muitas vezes acima dos 10% ao ano. Era um ritmo de crescimento que nunca antes tinha sido visto na história da humanidade, uma expansão que redefiniu a economia global.
A Trajetória Recente:
- 2023: A China registrou um crescimento de 5,2%. Este número, embora impressionante para os padrões ocidentais, foi visto por muitos analistas como frágil. Ele foi alcançado sobre uma base de comparação muito baixa (o ano de 2022, ainda marcado por lockdowns severos da política de “Covid Zero”) e já mostrava sinais de abrandamento em relação à sua média histórica.
- 2024: O governo chinês estabeleceu uma meta ambiciosa de “cerca de 5%”, que foi atingida aos “trancos e barrancos”, como descreveram alguns analistas. O resultado só foi possível graças a fortes estímulos governamentais, como a emissão de títulos especiais do tesouro para financiar projetos de infraestrutura e um bom desempenho inesperado do setor industrial e das exportações no final do ano.
- Agosto de 2025: A meta para 2025 foi novamente fixada em “cerca de 5%”, mas o sentimento geral, tanto de instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) quanto do Banco Mundial, é de que o país enfrentará grandes dificuldades para a atingir. As projeções mais realistas apontam para um crescimento entre 4,5% e 4,9%.
Porquê a Desaceleração?
Esta não é uma crise passageira, mas uma desaceleração estrutural. A China está a passar por uma transição dolorosa. Os “motores antigos” do crescimento, que funcionaram tão bem no passado, estão a falhar. O investimento em infraestrutura já atingiu um ponto de saturação, com “cidades fantasma” e aeroportos subutilizados. O modelo de exportações baratas enfrenta a concorrência de outros países e as barreiras comerciais impostas pelo Ocidente. E o motor imobiliário, como veremos, não apenas parou, como ameaça puxar todo o resto para baixo.
Parte 2: O Elefante na Sala – A Crise do Setor Imobiliário

O maior e mais perigoso desafio interno da China é a sua crise no setor imobiliário. Durante décadas, a construção civil foi o principal motor do PIB chinês, representando, direta e indiretamente, quase 30% da sua economia. Milhões de chineses investiram as suas poupanças de uma vida inteira em apartamentos, vendendo os imóveis como o investimento mais seguro e rentável, uma espécie de “poupança forçada” que nunca desvaloriza.
O Estouro da Bolha:
Este modelo tornou-se insustentável. Gigantes do setor, como a Evergrande e a Country Garden, acumularam dívidas astronómicas para financiar uma expansão frenética. A partir de 2021, com o governo a tentar controlar o endividamento do setor, estas empresas começaram a entrar em colapso, deixando um rasto de projetos inacabados, fornecedores por pagar e milhões de famílias que pagaram por apartamentos que talvez nunca sejam construídos.
O Estado em Agosto de 2025:
- A Intervenção do Estado: O governo de Xi Jinping tem intervindo massivamente para evitar um colapso total. Fundos públicos estão a comprar imóveis inacabados para os transformar em habitação social, e os bancos estatais foram instruídos a continuar a emprestar ao setor para garantir a conclusão de alguns projetos. No entanto, estas são medidas paliativas que não resolvem o problema fundamental: há um excesso gigantesco de oferta de imóveis.
- A Confiança em Baixa: Apesar das intervenções, a confiança do consumidor não voltou. As vendas de novas moradias continuam a cair em relação aos anos anteriores, e os preços dos imóveis, que pareciam só subir, estão em queda na maioria das cidades. Para uma geração que viu o imobiliário como uma aposta segura, esta é uma quebra de paradigma traumática.
- O Risco Sistémico: O problema é que a crise imobiliária contamina todo o resto da economia. Os governos locais, que dependiam da venda de terrenos às construtoras para financiar os seus orçamentos, estão agora em graves dificuldades financeiras, com dívidas que chegam a trilhões de dólares. E as famílias, ao verem o seu principal ativo (o imóvel) a desvalorizar, sentem-se mais pobres, o que as leva a cortar no consumo, afetando o comércio e os serviços.
Parte 3: O Dilema do Consumidor – A Procura Interna que Não Descola
O grande plano da China para o futuro, o pilar da sua reinvenção económica, é depender menos das exportações e mais do consumo interno. A ideia é que a sua vasta população de 1,4 mil milhões de pessoas comece a gastar mais, criando um mercado autossustentável. O problema é que, em agosto de 2025, o consumidor chinês continua hesitando.
Comparação com os Últimos Anos:
- Pós-Pandemia (2023): Houve uma breve euforia de consumo após o fim das rígidas políticas de “Covid Zero”, mas ela durou pouco. As pessoas gastaram em viagens e restaurantes (“consumo de vingança”), mas adiaram grandes compras.
- 2024 e 2025: Os dados das vendas a retalho e a confiança do consumidor têm sido consistentemente mais fracos do que o esperado. As pessoas estão a poupar em níveis recorde.
Porquê a Hesitação?
- Incerteza Económica: A crise imobiliária, a repressão do governo a setores que antes eram grandes empregadores (como a tecnologia e a educação privada) e o desemprego juvenil em níveis alarmantes criaram um clima de incerteza. As pessoas têm medo de perder o emprego e preferem poupar a gastar.
- Falta de uma Rede de Segurança Social: Diferente dos países europeus, a China não tem um sistema robusto de segurança social. As famílias precisam de poupar massivamente para a educação dos filhos, para a saúde e para a reforma, o que limita o seu poder de consumo.
- Deflação: Um dos maiores perigos que a China enfrenta é a deflação (a queda geral dos preços). Embora pareça bom, a deflação é um veneno para a economia. Se os consumidores esperam que os preços caiam ainda mais no futuro, eles adiam as suas compras, o que reduz a produção das empresas, que por sua vez despedem trabalhadores, criando uma espiral negativa.
Parte 4: A Guerra Fria Tecnológica – Tensões Geopolíticas
O ambiente externo em 2025 é o mais desafiador que a China enfrenta em décadas, especialmente na sua relação com os Estados Unidos.
A Guerra dos Chips:
A rivalidade já não é apenas comercial; é tecnológica. Os EUA, sob os governos Biden e agora novamente com a perspetiva de um governo Trump, impuseram controlos de exportação rigorosos para impedir que a China tenha acesso aos semicondutores (chips) mais avançados, que são o cérebro de toda a tecnologia moderna, desde a inteligência artificial até ao armamento militar.
O Impacto em 2025:
- Autossuficiência Forçada: Em resposta, a China está a executar o seu plano “Made in China 2025”, investindo trilhões de dólares para construir a sua própria indústria de semicondutores. Já obteve alguns sucessos notáveis, mas ainda está anos atrás da tecnologia de ponta de empresas como a TSMC (de Taiwan) e a Nvidia (dos EUA).
- Guerra de Tarifas: A ameaça de novas e pesadas tarifas sobre produtos chineses por parte dos EUA cria uma nuvem de incerteza sobre o setor exportador chinês.
- “Friend-shoring”: Empresas ocidentais, como a Apple, estão a diversificar a sua produção, movendo parte das suas fábricas da China para países como a Índia e o Vietname, para reduzir a sua dependência geopolítica.
Um Novo Capítulo para o Dragão

Agosto de 2025 encontra a economia chinesa numa fase de transição dolorosa, mas necessária. O “milagre económico” como o conhecíamos, baseado em crescimento a qualquer custo, acabou. O país enfrenta agora os desafios de uma economia mais madura: gerir uma crise de dívida, reequilibrar o seu modelo de crescimento e navegar num ambiente geopolítico cada vez mais hostil.
A comparação com os anos anteriores é clara: o ritmo de crescimento abrandou, a confiança interna está abalada e os ventos contrários do exterior são mais fortes. No entanto, seria um erro subestimar a capacidade de resiliência e de adaptação da China. O Estado chinês tem um controle sobre a economia que é impensável no Ocidente e está a usar todas as suas ferramentas para gerir esta transição.
O futuro da economia global no século XXI será, em grande parte, definido pela forma como a China conseguir navegar por esta encruzilhada. Para o Brasil, como um dos seus principais parceiros comerciais, entender esta jornada não é uma opção, é uma necessidade.
Sugestão de Leitura
Para quem deseja aprofundar a sua compreensão sobre a ascensão da China e os desafios que o seu modelo económico e político enfrenta, uma leitura essencial e muito atual é:
O livro de Rush Doshi analisa a grande estratégia completa da China, desde o fim da Guerra Fria, para se tornar a principal potência mundial. É uma análise profunda e baseada em documentos do próprio Partido Comunista Chinês. Rush Doshi é um especialista que serviu como Diretor para a China no Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca. Ele escreve com um conhecimento interno e académico raro.
Referências
- Fundo Monetário Internacional (FMI). Relatórios “World Economic Outlook”. Disponível em: https://www.imf.org
- Banco Mundial. Análises sobre a economia da China. Disponível em: https://www.worldbank.org/en/country/china
- National Bureau of Statistics of China (NBS). Para dados económicos oficiais. Disponível em: http://www.stats.gov.cn/english/
Financial Times e The Economist. Para análises contínuas e aprofundadas sobre a economia chinesa.
Escrito por Gustavo Figueiredo
Fundador do Conexão Essencial
Apaixonado por leitura, música e pelo equilíbrio entre corpo e mente. Compartilho aqui conhecimentos pragmáticos e confiáveis para fortalecer as conexões essenciais da sua vida.
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